terça-feira, 28 de agosto de 2012

FUNDAMENTOS PARA UM ESTADO LAICO


John Locke (1632-1704), filósofo empirista inglês e precursor do iluminismo, escreveu, em um dos textos mais importantes sobre esse tema, a “Carta Acerca da Tolerância” (1689), que “não é a diversidade de opiniões (o que não pode ser evitado), mas a recusa de tolerância para com os que têm opinião diversa, o que se poderia admitir, que deu origem à maioria das disputas e guerras que se têm manifestado no mundo cristão por causa da religião” (LOCKE, 1978, p. 25).

Neste texto, Locke diz ainda que a intolerância é irracional e anticristã: “A tolerância para os defensores de opiniões opostas acerca de temas religiosos está tão de acordo com o evangelho e com a razão que parece monstruoso que os homens sejam cegos diante de uma luz tão clara” (LOCKE, 1978, p. 4).

Nesse livro, Locke distingue as funções do governo civil e da religião, defende a necessária separação entre Estado e religião e reflete sobre a intolerância. Com a separação entre governo civil e religião, Locke estabelece os princípios que devem reger esta relação e os deveres dos magistrados. Além disso, e o mais importante da carta, ele desenvolve também os princípios da tolerância. Sobre a jurisdição do magistrado, Locke estabelece  que ela diz respeito somente aos bens civis e não pode ser de modo algum estendido à salvação das almas, pois: em primeiro lugar, “isso não lhe foi outorgado por Deus, porque parece que Deus jamais tenha delegado autoridade a um homem sobre outro para induzir outros homens a aceitar sua religião” (LOCKE, 1978, p. 5). Locke diz também que o cuidado das almas não pode pertencer ao magistrado civil, porque
seu poder é de natureza coercitiva, ao passo que a “religião verdadeira e salvadora consiste na persuasão interior do espírito” (LOCKE, 1978, p. 5). Por fim, mesmo se a autoridade das leis e da força das penalidades fossem capazes de converter, ainda assim isso em nada ajudaria para a salvação das almas; pois, pergunta Locke, “se houvesse apenas uma religião verdadeira, uma única via para o céu, que esperança haveria que a maioria dos homens a alcançasse, se os mortais fossem obrigados a ignorar os ditames de sua própria razão e consciência, e cegamente aceitarem as doutrinas impostas por seu príncipe, e cultuar Deus na maneira formulada pelas leis de seu país? (LOCKE, 1978, p. 6).


Em seguida, Locke estabelece os quatro princípios da tolerância que deveriam ser seguidos por todos: indivíduos, igrejas, eclesiásticos e magistrados.
1)      Nenhuma igreja é obrigada a manter no seu seio uma pessoa que transgrediu as leis dessa sociedade e, mesmo sendo admoestado, continua a fazê-lo.
2)      Nenhum indivíduo deve atacar ou prejudicar outra pessoas nos seus bens civis, porque professa outra religião ou outra forma de culto. E o que vale para os indivíduos serve igualmente para as diferentes igrejas. Sendo as igrejas sociedades livres e voluntárias, elas devem coexistir com a comunidade e com as outras igrejas de forma pacífica e tolerante. Locke defende que o único castigo que compete à autoridade eclesiástica aplicar é a separação e a exclusão daquele que infringiu as leis de determinada igreja.
3)      A responsabilidade dos eclesiásticos é maior: “Não é suficiente que os sacerdotes se abstenham da violência, da pilhagem, e de todos os modos de perseguição” (LOCKE, 1978, p. 9); eles são obrigatórios, enquanto clérigos, “a praticar a caridade, a humanidade e a tolerância. E a acalmar e moderar todo fervor e aversão do espírito que decorrem tanto do veemente zelo humano por sua própria religião e seita como da astúcia incitada de outros contra os dissidentes” (LOCKE, 1978, p. 10).
4)      Pela separação entre governo e religião, os magistrados não podem proibir nem impor leis às religiões, desde que estas não estejam atacando os direitos e bens civis dos indivíduos. Segundo Locke, as crenças são de foro íntimo e por isso ninguém  pode ser molestado por suas escolhas ou forçado a nada no campo da fé.

Resumindo, o pensamento de Locke sobre a tolerância e sobre a relação entre os Estados laicos e as religiões está baseada no respeito à individualidade das pessoas, à diversidade de opinião e na liberdade de expressão.   


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