John Locke (1632-1704), filósofo empirista inglês e
precursor do iluminismo, escreveu, em um dos textos mais importantes sobre esse
tema, a “Carta Acerca da Tolerância” (1689), que “não é a diversidade de
opiniões (o que não pode ser evitado), mas a recusa de tolerância para com os
que têm opinião diversa, o que se poderia admitir, que deu origem à maioria das
disputas e guerras que se têm manifestado no mundo cristão por causa da
religião” (LOCKE, 1978, p. 25).
Neste texto, Locke diz ainda que a intolerância é
irracional e anticristã: “A tolerância para os defensores de opiniões opostas
acerca de temas religiosos está tão de acordo com o evangelho e com a razão que
parece monstruoso que os homens sejam cegos diante de uma luz tão clara” (LOCKE,
1978, p. 4).
Nesse livro, Locke distingue as funções do governo
civil e da religião, defende a necessária separação entre Estado e religião e
reflete sobre a intolerância. Com a separação entre governo civil e religião,
Locke estabelece os princípios que devem reger esta relação e os deveres dos
magistrados. Além disso, e o mais importante da carta, ele desenvolve também os
princípios da tolerância. Sobre a jurisdição do magistrado, Locke
estabelece que ela diz respeito somente
aos bens civis e não pode ser de modo algum estendido à salvação das almas,
pois: em primeiro lugar, “isso não lhe foi outorgado por Deus, porque parece
que Deus jamais tenha delegado autoridade a um homem sobre outro para induzir
outros homens a aceitar sua religião” (LOCKE, 1978, p. 5). Locke diz também que
o cuidado das almas não pode pertencer ao magistrado civil, porque
seu poder é
de natureza coercitiva, ao passo que a “religião verdadeira e salvadora
consiste na persuasão interior do espírito” (LOCKE, 1978, p. 5). Por fim, mesmo
se a autoridade das leis e da força das penalidades fossem capazes de
converter, ainda assim isso em nada ajudaria para a salvação das almas; pois,
pergunta Locke, “se houvesse apenas uma religião verdadeira, uma única via para
o céu, que esperança haveria que a maioria dos homens a alcançasse, se os
mortais fossem obrigados a ignorar os ditames de sua própria razão e
consciência, e cegamente aceitarem as doutrinas impostas por seu príncipe, e
cultuar Deus na maneira formulada pelas leis de seu país? (LOCKE, 1978, p. 6).
Em seguida, Locke estabelece os quatro princípios da
tolerância que deveriam ser seguidos por todos: indivíduos, igrejas, eclesiásticos
e magistrados.
1)
Nenhuma
igreja é obrigada a manter no seu seio uma pessoa que transgrediu as leis dessa
sociedade e, mesmo sendo admoestado, continua a fazê-lo.
2)
Nenhum
indivíduo deve atacar ou prejudicar outra pessoas nos seus bens civis, porque
professa outra religião ou outra forma de culto. E o que vale para os
indivíduos serve igualmente para as diferentes igrejas. Sendo as igrejas
sociedades livres e voluntárias, elas devem coexistir com a comunidade e com as
outras igrejas de forma pacífica e tolerante. Locke defende que o único castigo
que compete à autoridade eclesiástica aplicar é a separação e a exclusão
daquele que infringiu as leis de determinada igreja.
3)
A
responsabilidade dos eclesiásticos é maior: “Não é suficiente que os sacerdotes
se abstenham da violência, da pilhagem, e de todos os modos de perseguição”
(LOCKE, 1978, p. 9); eles são obrigatórios, enquanto clérigos, “a praticar a
caridade, a humanidade e a tolerância. E a acalmar e moderar todo fervor e
aversão do espírito que decorrem tanto do veemente zelo humano por sua própria
religião e seita como da astúcia incitada de outros contra os dissidentes”
(LOCKE, 1978, p. 10).
4)
Pela
separação entre governo e religião, os magistrados não podem proibir nem impor
leis às religiões, desde que estas não estejam atacando os direitos e bens
civis dos indivíduos. Segundo Locke, as crenças são de foro íntimo e por isso
ninguém pode ser molestado por suas
escolhas ou forçado a nada no campo da fé.
Resumindo, o
pensamento de Locke sobre a tolerância e sobre a relação entre os Estados
laicos e as religiões está baseada no respeito à individualidade das pessoas, à
diversidade de opinião e na liberdade de expressão.
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