PARA ALÉM DO MAQUIAVÉLICO

Em pleno momento pré-eleitoral em que vivemos, com as eleições para prefeitos e vereadores nos vários municípios brasileiros, é de bom grado resgatarmos o pensamento de Nicolau Maquiavel (1469-1527) e sua contribuição para o chamado Realismo Político. Obra que ocasiou uma cisão no modelo de política até então entendido.

Maquiavel foi, e é ainde hoje, vítima constante de interpretações equivocadas. Sua má fama começou logo depois da sua primeira publicação da obra O Princípe, em 1531. Tais interpretações deram origem ao termo “maquiavélico”, adjetivo incorporado ao nosso vocabulário, definido pelo dicionário Aurélio como “que tem, ou que que há perfídia, dado, má fé; astuto, velhaco, ardiloso” e pelo Hauaiss como “que envolve perfídia (...) que se caracteriza pela astúcia, duplicidade, má-fé; ardiloso, velhaco,” onde tais termos encaicham-se muito bem nas ações de vários políticos brasileiros.

Nesse sentido, é que a difusão da obra ao longo dos três séculos seguintes, as atenções se voltaram para aspectos inusitados do texto maquiaveliano, e não "maquiavélico", como é comumente pronunciado pelo

senso comum, com destaque para certas idéias como: o governante deve fazer o mal de uma só vez e o bem aos poucos; o governante deve parecer ser bom mas não sê-lo de fato; o governante deve evitar gastar o que é seu e gastar o que dos outros, etc. Percebemos também, que hà uma efetividade desses pensamentos de maneira muito clara na política atual, ou melhor, na politicagem brasileira.

Sentenças estas que rompem com a tradição dos manuais do bom governante, pois parecem defender que o governante seja mais um despóta do que um pai-da-pátria. As oligarquias brasileiras, nordestinas e mais especificamente maranhense que o digam. Tais distorções só perduram em virtude daqueles que não se debruçaram com atenção, ou mesmo intencionalmente, sobre a leitura de sua obra mais conhecida, O Princípe. E há ainda aqueles “políticos” que propalam aos quartros cantos que tal obra é seu livro de cabeçeira.

Em meados dos séculos XX, novos estudos mostraram uma outra faceta do texto (O Princípe), revelando ser ele uma das principais obras de Filosofia Política de todos os tempos. Assim, O Princípe, embora tenha sido escrito numa época marcada por monarquias absolutistas, não deve ser identificado a elas, mas ao modelo de governo que se instalou em Roma, no final da República e antes do surgimento dos governos imperiais.

Maquiavel ao análisar os chamados principados, tem em vista que o governante não deterá todo o poder político em suas mãos, mas deverá se submeter ao jogo político existente em qualquer Estado. Nesse sentido, ele deverá, entre outras coisas, ficar atento as forças políticas existentes, saber reconhcer os interesses em disputa, enfim, liderar e comandar a ação política no seu Estado para que não seja destituído do poder.

E é justamente nesta parte da obra, em que se encontra uma noção importantíssima para pensamento maquiaveliano: a de que todo Estado há basicamente dois grandes interesses em conflito, o dos ricos ou popolo grasso, que deseja comandar, e dos pobres ou popolo minuto, que deseja não ser oprimido. Vai ser da oposição desses interesses que nascem quase todas as disputas políticas na cidade e cabe ao governante ficar atento a isso para que não ceda aos interesses dos grandes e oprima o povo - pelo visto, no Brasil a situação é totalmente invertida. Quando isso ocorre, ou o governante fica refém desse pequeno grupo político ou perde o poder, pois não tem mais o apoio do povo.

Assim, na obra O Princípe, é mostrado que o bom governo não uma tarefa façil e exige a aquisição de qualidades políticas que ele nomeia como virtù. Sendo que, a noção de virtù maquiaveliana, não pode ser literalmente taduzida como virtude, pois os dois termos não possuem a mesma compreensão. A virtù pode ser sintetizada, grosso modo, como um conjunto de qualidades políticas necessárias ao bom governo e à conservação do Estado, o que implica atitudes, como dito, nem sempre conforme a noção comum de virtude. Fazer o mal de um só vez e o bem aos poucos – algo comum na política brasileira, não pareçe ser um ato virtuoso, embora seja uma virtù do governante.

Nessa pespectiva, foi que Maquiavel através de sua vasta experiência política adquirida nos anos em que trabalhou como diplomatata em algumas cortes italianas, percebeu que muito daquilo que era visto como vício ou conduta equivocada se revelou extremamente eficaz para a conservação do poder. Essa análises maquiavelianas dão margem ao surgimento do chamado Realismo Político, separando definitivamente o poder do Estado do poder da Igreja, criando a concepção de Estado Laico. Enfim, tendo em conta a veritá effettuale della cosa, ou seja, a verdade efetiva das coisas, o que realmente ocorre no mundo político é que se pode considerar como virtù algo que normalmente muitos recriminariam.

Portanto, o governante que atentar para estes aspectos mais essencias apresentados em O Princípe conseguirá ser muito mais eficiente na conservação do poder e fará um bom governo. Isso comprova que a má fama de Maquiavel e a interpretação dada para "maquiavélico" são muito mais de um desconhecimento da obra ou de uma leitura desatenta, de quem não percebeu ou não nunca quis perceber, no caso dos "políticos" brasileiros, os reais sentidos da obra.